RETÁBULO-MOR
Informa o P.de Luis Cardoso que o retábulo-mor foi feito no ano de 1732 por particular esmola e devoção de um morador do lugar de Arnelas.
Segundo o contrato relativo à sua construção, o devoto morador de Arnelas que o mandou construir foi o P.de João Cardoso. O mestre que o executou foi o conhecido e importantíssimo entalhador portuense Manuel da Costa de Andrade. Com efeito, por escritura e obrigação e fiança de 5 de Julho de 1731, Manuel da Costa de Andrade, morador à Fábrica do Tabaco, extramuros da cidade do Porto, comprometeu-se com o P.de João Cardoso, do hábito de São Pedro, morador no lugar de Arnelas, a fazer o retábulo da capela. O preço de ajuste foi de trezentos e cinquenta mil reis, quantia a satisfazer em três pagamentos: o primeiro logo no ato da escritura, de cento e cinquenta mil reis, o segundo de cem mil reis no meio da obra, e o terceiro e último de cem mil reis, no fim, depois de concluída a obra. O retábulo devia estar concluído até à Páscoa do Espírito Santo de 1732. Manuel da Costa de Andrade apresentou como fiador o conhecido dourador e pintor Manuel Pinto Monteiro, morador na rua de Cimo de Vila, da cidade do Porto.
A escritura transcreve os apontamentos que, embora relativamente breves, se revestem de muita importância. Segundo eles, toda a obra devia ser feita de madeira de castanho “de bom corte e lisa que não podridão, nem seja sardinhenta”. O altar seria separado do retábulo, com duas portas por detrás do mesmo altar que dariam para as duas escadas de acesso ao trono. Para acesso ao sacrário haveria duas “escadinhas” por trás do altar, de um e outro lado.
Preceituam os apontamentos que, “A talha será feita com perfeição, miudeza e relevo, como as obras modernas de Santa Clara e Purificação do Colégio, e o trono por dentro será em tábuas grossas como o de Santa Clara, porém os pinaratos serão de talha mais relevada e as costas das colunas serão do feitio das mesmas de Santa Clara. As colunas serão conforme o dono da obra convier com o mestre, a respeito de serem ou não retorcidas e no feitio da talha. Fará o mestre seu frontal para o altar que será do mesmo feitio e talha da capela dos Terceiros de são Domingos”, do Porto.
Com os apontamentos apresentou-se a planta ou risco que o mestre devia observar e seguir. Os apontamentos, porém, alteravam essa planta ou risco: assim um nicho desenhado sobre o sacrário devia desaparecer e o trono desceria um pouco para levar no alto a imagem do Senhor crucificado de maiores dimensões. Nesse sentido se faria um novo modelo para o trono. As imagens do retábulo não entravam no contrato; o mestre contratante só devia mandar fazer “dois anjos para o pé do Santo Crucifixo que serão feitos com toda a perfeição e como os que estão no trono dos terceiros de S. Francisco” do Porto, com ciriais de madeira torneados nas mãos. O pavilhão ou dossel superior devia ter os ressaltos que a planta indicava e o teto do trono devia ser “em forma de barrete para que a obra fique com perfeição e galantaria”. Além disso, “todos os meninos e serafins serão bonitinhos”.
Do contrato fazia parte, ainda, a feitura de duas credências “de boa talha com miudezas e relevo e os com a galantaria que o mestre parecer com beneplácito do dono da obra”.
Como a documentação fotográfica ilustra ainda, estamos em presença de um belo exemplar de retábulo joanino com duas colunas de cada lado, mais reentrantes as interiores, e uma imagem em cada intercolúnio.
As colunas são suportadas por anjos; a zona do sacrário é bem tratada; na parte superior, ao centro, cobrindo o trono, implanta-se o dossel saliente com cortinados que anjos apanham e seguram. O trono é encimado por um belo Crucifixo (Senhor do Triunfo) ladeado por dois anjos. Diga-se, desde já, que as imagens do retábulo (São Mateus e São Tomás de Aquino) são duas belas esculturas. As colunas são retorcidas, com o terço inferior marcado, e as silvas, flores e folhas sobem nas reentrâncias ou cavado em espiral ou caracol, trabalhadas com perfeição. As imagens laterais são suportadas por anjos-mísulas; sobre elas, cúpulas de denso cortinado fingido.
O frontal é uma linda peça de talha elegantíssima.
Os apontamentos do retábulo-mor de Arnelas encerram algumas referências a obras anteriores. Importa dar-lhes relevo porque têm interesse.
Determinam esses apontamentos que os dois anjos do cimo do trono, aos pés do Crucifixo, deviam ser feitos como os que estão no trono da capela dos Terceiros de S. Francisco, e o frontal do altar devia ser do feitio do da capela dos Terceiros de S. Domingos. A escritura do contrato do retábulo-mor dos Terceiros Domínicos é de 22 de Maio de 1724 (ver II vol. de Obra de talha … do Autor, Porto, 1985, nº 129, p. 672), e é curioso observar que nele se diz que “o frontal se fará na forma dos que se fizeram para os colaterais dos Terceiros de S. Francisco”. O retábulo-mor da Ordem Terceira de S. Domingos tinha sido executado por Luís Pereira da Costa com planta de João Pereira dos Santos. Devem ter impressionado este retábulo e o frontal do altar. A escritura do contrato da obra de talha da capela-mor de Santa Clara explicita também que o frontal do altar se devia fazer como o dos Terceiros Domínicos: – “fará um frontal para o altar maior na forma do que está na capela maior dos Terceiros Domínicos”.
De maior interesse são, porém, as referências ao retábulo de Nossa Senhora da Purificação da igreja dos Grilos e à talha (retábulo …) da capela-mor de Santa Clara; – “a talha será feita com perfeição e miudeza e relevo como as obras modernas de Santa Clara e Purificação do Colégio, e o trono por dentro em tábuas grossas como de Santa Clara …, as costas das colunas serão feitas do feitio das mesmas de Santa Clara”.
Os retábulos da Purificação e de Santa Clara deram, pois, sugestões para o retábulo de Arnelas: o de Nossa Senhora da Purificação quanto à talha; o de Santa Clara, quanto à talha e estrutura do retábulo. Na sequência dos dois retábulos, levantou-se o retábulo de Arnelas, no estilo e cronologicamente: contratos de 1729, 1730 e 1731.
Não conhecemos documentalmente a obra realizada por Manuel da Costa de Andrade antes do retábulo de Arnelas. Surge-nos este retábulo como a primeira obra documentada do grande mestre entalhador. O retábulo e o frontal são de execução primorosa e supõem um mestre já muito experimentado. O retábulo é mesmo dos mais belos – e foram muitos – que executou. Esperamos que descobertas posteriores lancem luz sobre a vida e a obra deste entalhador antes de 1731, particularmente sobre os mestres com quem trabalhou e a obra que realizou.
Depois do retábulo de Arnelas, Manuel da Costa de Andrade realizou, até 1756, no domínio da talha, uma atividade notabilíssima. Nos retábulos-mores que executou, a semelhança com o retábulo de Arnelas é transparente.
Executou pois, este retábulo, Manuel da Costa de Andrade, mestre entalhador com vasta obra no Porto e redondezas.
Mas quem terá sido o autor do risco ou planta e apontamentos do retábulo?
Robert C. Smith alvitra que terá sido, porventura, seu autor Nicolau Nasoni.
Sem dúvida que, alguma Influência nasoniana poderá ter havido em virtude da intercomunicação dos artistas e suas obras. Nasoni, nessa altura, trabalhava no Porto, havia seis anos, como pintor decorador da Sé e trazia em mãos outras obras. Os artistas são sensíveis às formas e valores artísticos que na ocasião mais se evidenciam. Nasoni impressionava pelo seu talento. Alguns dos motivos da sua pintura decorativa na Sé – grinaldas, flores, meninos, etc. – influenciaram os entalhadores. Sabemos também que Nasoni foi tracista de retábulos. Inclinamo-nos, porém, a pensar que o risco e apontamentos do retábulo de Arnelas foram feitos por Miguel Francisco da Silva. Este mestre entalhador e arquiteto trazia de Lisboa, quando de lá veio em 1727 para trabalhar no retábulo-mor da Sé do Porto, uma densa experiência no domínio da arte da talha que mais se enriqueceu com o trabalho que desenvolveu no retábulo da Sé. De resto, sabemos, por documentos, que posteriormente os dois mestres colaboraram neste domínio: Manuel Francisco da Silva fazendo as plantas, Manuel da Costa de Andrade executando-as. É o caso do retábulo-mor da Foz do Douro (contrato de 18 de Abril de 1734) e o do retábulo-mor da igreja de S. Francisco da Guimarães (contrato de 20 de dezembro de 1743).
Documentalmente não podemos assegurar que Miguel Francisco da Silva foi o autor do risco do retábulo de Arnelas; inclinamo-nos, porém, a pensá-lo, e aqui deixamos registada a nossa opinião.
Informa o P.de Luis Cardoso que o retábulo-mor foi feito no ano de 1732 por particular esmola e devoção de um morador do lugar de Arnelas.
Segundo o contrato relativo à sua construção, o devoto morador de Arnelas que o mandou construir foi o P.de João Cardoso. O mestre que o executou foi o conhecido e importantíssimo entalhador portuense Manuel da Costa de Andrade. Com efeito, por escritura e obrigação e fiança de 5 de Julho de 1731, Manuel da Costa de Andrade, morador à Fábrica do Tabaco, extramuros da cidade do Porto, comprometeu-se com o P.de João Cardoso, do hábito de São Pedro, morador no lugar de Arnelas, a fazer o retábulo da capela. O preço de ajuste foi de trezentos e cinquenta mil reis, quantia a satisfazer em três pagamentos: o primeiro logo no ato da escritura, de cento e cinquenta mil reis, o segundo de cem mil reis no meio da obra, e o terceiro e último de cem mil reis, no fim, depois de concluída a obra. O retábulo devia estar concluído até à Páscoa do Espírito Santo de 1732. Manuel da Costa de Andrade apresentou como fiador o conhecido dourador e pintor Manuel Pinto Monteiro, morador na rua de Cimo de Vila, da cidade do Porto.
A escritura transcreve os apontamentos que, embora relativamente breves, se revestem de muita importância. Segundo eles, toda a obra devia ser feita de madeira de castanho “de bom corte e lisa que não podridão, nem seja sardinhenta”. O altar seria separado do retábulo, com duas portas por detrás do mesmo altar que dariam para as duas escadas de acesso ao trono. Para acesso ao sacrário haveria duas “escadinhas” por trás do altar, de um e outro lado.
Preceituam os apontamentos que, “A talha será feita com perfeição, miudeza e relevo, como as obras modernas de Santa Clara e Purificação do Colégio, e o trono por dentro será em tábuas grossas como o de Santa Clara, porém os pinaratos serão de talha mais relevada e as costas das colunas serão do feitio das mesmas de Santa Clara. As colunas serão conforme o dono da obra convier com o mestre, a respeito de serem ou não retorcidas e no feitio da talha. Fará o mestre seu frontal para o altar que será do mesmo feitio e talha da capela dos Terceiros de são Domingos”, do Porto.
Com os apontamentos apresentou-se a planta ou risco que o mestre devia observar e seguir. Os apontamentos, porém, alteravam essa planta ou risco: assim um nicho desenhado sobre o sacrário devia desaparecer e o trono desceria um pouco para levar no alto a imagem do Senhor crucificado de maiores dimensões. Nesse sentido se faria um novo modelo para o trono. As imagens do retábulo não entravam no contrato; o mestre contratante só devia mandar fazer “dois anjos para o pé do Santo Crucifixo que serão feitos com toda a perfeição e como os que estão no trono dos terceiros de S. Francisco” do Porto, com ciriais de madeira torneados nas mãos. O pavilhão ou dossel superior devia ter os ressaltos que a planta indicava e o teto do trono devia ser “em forma de barrete para que a obra fique com perfeição e galantaria”. Além disso, “todos os meninos e serafins serão bonitinhos”.
Do contrato fazia parte, ainda, a feitura de duas credências “de boa talha com miudezas e relevo e os com a galantaria que o mestre parecer com beneplácito do dono da obra”.
Como a documentação fotográfica ilustra ainda, estamos em presença de um belo exemplar de retábulo joanino com duas colunas de cada lado, mais reentrantes as interiores, e uma imagem em cada intercolúnio.
As colunas são suportadas por anjos; a zona do sacrário é bem tratada; na parte superior, ao centro, cobrindo o trono, implanta-se o dossel saliente com cortinados que anjos apanham e seguram. O trono é encimado por um belo Crucifixo (Senhor do Triunfo) ladeado por dois anjos. Diga-se, desde já, que as imagens do retábulo (São Mateus e São Tomás de Aquino) são duas belas esculturas. As colunas são retorcidas, com o terço inferior marcado, e as silvas, flores e folhas sobem nas reentrâncias ou cavado em espiral ou caracol, trabalhadas com perfeição. As imagens laterais são suportadas por anjos-mísulas; sobre elas, cúpulas de denso cortinado fingido.
O frontal é uma linda peça de talha elegantíssima.
Os apontamentos do retábulo-mor de Arnelas encerram algumas referências a obras anteriores. Importa dar-lhes relevo porque têm interesse.
Determinam esses apontamentos que os dois anjos do cimo do trono, aos pés do Crucifixo, deviam ser feitos como os que estão no trono da capela dos Terceiros de S. Francisco, e o frontal do altar devia ser do feitio do da capela dos Terceiros de S. Domingos. A escritura do contrato do retábulo-mor dos Terceiros Domínicos é de 22 de Maio de 1724 (ver II vol. de Obra de talha … do Autor, Porto, 1985, nº 129, p. 672), e é curioso observar que nele se diz que “o frontal se fará na forma dos que se fizeram para os colaterais dos Terceiros de S. Francisco”. O retábulo-mor da Ordem Terceira de S. Domingos tinha sido executado por Luís Pereira da Costa com planta de João Pereira dos Santos. Devem ter impressionado este retábulo e o frontal do altar. A escritura do contrato da obra de talha da capela-mor de Santa Clara explicita também que o frontal do altar se devia fazer como o dos Terceiros Domínicos: – “fará um frontal para o altar maior na forma do que está na capela maior dos Terceiros Domínicos”.
De maior interesse são, porém, as referências ao retábulo de Nossa Senhora da Purificação da igreja dos Grilos e à talha (retábulo …) da capela-mor de Santa Clara; – “a talha será feita com perfeição e miudeza e relevo como as obras modernas de Santa Clara e Purificação do Colégio, e o trono por dentro em tábuas grossas como de Santa Clara …, as costas das colunas serão feitas do feitio das mesmas de Santa Clara”.
Os retábulos da Purificação e de Santa Clara deram, pois, sugestões para o retábulo de Arnelas: o de Nossa Senhora da Purificação quanto à talha; o de Santa Clara, quanto à talha e estrutura do retábulo. Na sequência dos dois retábulos, levantou-se o retábulo de Arnelas, no estilo e cronologicamente: contratos de 1729, 1730 e 1731.
Não conhecemos documentalmente a obra realizada por Manuel da Costa de Andrade antes do retábulo de Arnelas. Surge-nos este retábulo como a primeira obra documentada do grande mestre entalhador. O retábulo e o frontal são de execução primorosa e supõem um mestre já muito experimentado. O retábulo é mesmo dos mais belos – e foram muitos – que executou. Esperamos que descobertas posteriores lancem luz sobre a vida e a obra deste entalhador antes de 1731, particularmente sobre os mestres com quem trabalhou e a obra que realizou.
Depois do retábulo de Arnelas, Manuel da Costa de Andrade realizou, até 1756, no domínio da talha, uma atividade notabilíssima. Nos retábulos-mores que executou, a semelhança com o retábulo de Arnelas é transparente.
Executou pois, este retábulo, Manuel da Costa de Andrade, mestre entalhador com vasta obra no Porto e redondezas.
Mas quem terá sido o autor do risco ou planta e apontamentos do retábulo?
Robert C. Smith alvitra que terá sido, porventura, seu autor Nicolau Nasoni.
Sem dúvida que, alguma Influência nasoniana poderá ter havido em virtude da intercomunicação dos artistas e suas obras. Nasoni, nessa altura, trabalhava no Porto, havia seis anos, como pintor decorador da Sé e trazia em mãos outras obras. Os artistas são sensíveis às formas e valores artísticos que na ocasião mais se evidenciam. Nasoni impressionava pelo seu talento. Alguns dos motivos da sua pintura decorativa na Sé – grinaldas, flores, meninos, etc. – influenciaram os entalhadores. Sabemos também que Nasoni foi tracista de retábulos. Inclinamo-nos, porém, a pensar que o risco e apontamentos do retábulo de Arnelas foram feitos por Miguel Francisco da Silva. Este mestre entalhador e arquiteto trazia de Lisboa, quando de lá veio em 1727 para trabalhar no retábulo-mor da Sé do Porto, uma densa experiência no domínio da arte da talha que mais se enriqueceu com o trabalho que desenvolveu no retábulo da Sé. De resto, sabemos, por documentos, que posteriormente os dois mestres colaboraram neste domínio: Manuel Francisco da Silva fazendo as plantas, Manuel da Costa de Andrade executando-as. É o caso do retábulo-mor da Foz do Douro (contrato de 18 de Abril de 1734) e o do retábulo-mor da igreja de S. Francisco da Guimarães (contrato de 20 de dezembro de 1743).
Documentalmente não podemos assegurar que Miguel Francisco da Silva foi o autor do risco do retábulo de Arnelas; inclinamo-nos, porém, a pensá-lo, e aqui deixamos registada a nossa opinião.